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Você sabe o que acontece numa aula de yoga?

Acredite, talvez o yoga não seja o que você imagina! Entenda por quê.

Os ásanas constituem 1/8 de uma prática de yoga
Ásana Sádhana - Prática das Técnicas Corporais

Você que praticou ou faz yoga já se perguntou por que as técnicas seguem uma determinada ordem e por que alguns formatos de treinamento parecem funcionar melhor do que outros? Já parou para pensar por que seu corpo e mente parecem reagir positivamente ao treinamento, de forma diferente de qualquer outro método de treinamento físico e mental? Bom, essas são perguntas que eu me fiz há bastante tempo, quando comecei a praticar yoga, e fui descobrindo as respostas à medida que continuei investigando e, claro, praticando, o que é o mais importante. Afinal, yoga é prática!


Então, vamos lá. Deixe-me tentar resumir neste artigo o que realmente acontece enquanto praticamos yoga e nos permitimos envolver pelo sádhana (treinamento) que tanto nos faz bem.


Tudo começa com a decisão de querer conhecer e se desenvolver através do yoga. No início, não sabemos exatamente o terreno que vamos pisar, e mesmo que tenhamos lido bastante a respeito, recebido boas referências de amigos, ou até mesmo recomendações médicas para tratarmos determinadas desordens em nossa saúde, ainda assim, tudo se revela diferente do que achávamos que seria ao nos aventurarmos nessa jornada. É uma jornada de autoconsciência e gerenciamento da saúde física e mental que, além disso, nos presenteia com o bônus de um tipo de desenvolvimento pessoal que nem imaginávamos ser possível acessar. Entendemos, então, que o yoga não é apenas uma técnica para otimizar determinadas faculdades físicas e mentais, mas, em especial, uma filosofia prática de vida que nos auxilia em diversas áreas.


Uma jornada de mil quilômetros começa com o primeiro passo. Mexa-se, criatura!

Portanto, já temos uma pista sobre o que ocorre conosco ao fazermos yoga, certo? Então vamos explorar a construção de um sádhana para entendermos o que acontece no decorrer de uma aula regular e como acessar melhores resultados.


Primeiro, no início de cada prática, é preciso aclimatar o corpo e a mente para que o estado yogi seja desencadeado em nós, o estado de adequação do corpo, da mente e das emoções. Um estado que, de certa forma, nos desliga de fatores externos, como trabalho, pessoas, circunstâncias adversas do cotidiano, rotinas em geral, etc., e nos abre para outra dimensão, trazendo o olhar para dentro de nós mesmos, do superficial ao mais profundo, do mundo do achismo e das falsas certezas ao mundo da percepção sensível, da ilusão à realidade mais autêntica. Ou seja, é necessário se desligar do mundo das ilusões e se conectar com o mundo da verdade que nos anima – isso pode parecer um tanto pretencioso e metafísico mas é por aí que a coisa começa. Só assim o yoga (o meio para uma vida adequada) é despertado em nós. Para isso, geralmente, usamos técnicas respiratórias, pránáyáma, e de mentalização (imaginação), manásika, para mantermos a atenção num fluxo de desaceleração dos cittas (núcleos mentais) e equalização dos vrittis (perturbações da mente). Neste momento, a frequência cardíaca tende a diminuir, a pressão arterial se estabiliza e desencadeamos uma crescente sensação de bem-estar que, aos poucos, vai envolvendo nosso corpo e mente. A mentalização é usada para estimular a continuidade da atenção, do foco e da concentração, pois sem isso a mente não consegue se afinar às técnicas que virão a seguir.


Depois de aclimatarmos o corpo e a mente, com a frequência cardíaca estabilizada e a mente mais calma, a qualidade da oxigenação no sangue melhora. Assim, o corpo responde melhor aos estímulos de purificação e limpeza do organismo físico denso (corpo material) e sutil (corpo subjetivo). É neste ponto da prática que agregamos as técnicas de shatkarma (seis purificadores profundos do corpo e da mente). Escolhemos para a prática no estúdio aqueles que são chamados de purificadores secos, pois os molhados, como o próprio termo sugere obviamente, devem ser realizados em casa, no banheiro, em suas rotinas de asseio. Ensinamos como fazê-los em nossas aulas e cursos. Os kriyas (ações purificadoras), como também são chamados, concluem o processo da aclimatação, limpando as nadis (canais sutis de energia vital) para que o prána (força sutil) e a kundalini (identidade biológica – calor essencial que anima a vida em nós) possam fluir com mais qualidade e com o mínimo de obstruções ou contaminações. Dessa maneira, os órgãos vitais e funções do corpo e mente respondem melhor aos estímulos psicoenergéticos que vamos despertando e desenvolvendo durante o sádhana, justamente para incrementar e otimizar as habilidades físicas e cognitivas do indivíduo – essenciais para a realização da meta do yoga – samádhi (vivifação).


Neste ponto, portanto, o nosso corpo está mais preparado para receber as técnicas corporais (ásanas) de forma adequada, com reais possibilidades de produzir excelentes resultados. É verdade que muitos vêm ao yoga buscando os efeitos terapêuticos e de gerenciamento da saúde que os ásanas promovem. No entanto, como costumo dizer, por ter aprendido dessa forma, esses efeitos são, na verdade, efeitos colaterais positivos. De fato, percebemos uma melhora significativa da saúde ao praticar os ásanas, que atuam como um tônico rejuvenecedor para o nosso corpo.


Mas a questão é: se os efeitos utilitários da prática dos ásanas são, em certa medida, efeitos colaterais positivos, qual é o real propósito de praticá-los? Considerando que, como contraponto ao utilitarismo dessas técnicas, há algo maior a ser acessado, o verdadeiro motivo para praticar ásanas é proporcionar ao corpo um tipo de reforço biológico para que o organismo suporte o processo evolutivo do yoga até sua meta, o samádhi, com maior velocidade, assertividade e menores riscos de danos físicos ou mentais. Afinal, mesmo algo tão benéfico como o yoga pode ser prejudicial se praticado de maneira equivocada ou negligente.


Acredite, o yoga não tolera irresponsabilidade intelectual ou falta de comprometimento ético e disciplinar para aqueles que almejam o estado de autoconhecimento por excelência, o samádhi. Em outras palavras, se o praticante motiva seu treinamento por interesses que se desviam dos princípios do yoga autêntico – visando sua meta e objetivo que abordarei ao final deste artigo – estará comprometendo sua saúde física e, principalmente, mental. Sim, este é um alerta aos neófitos desatentos.


Portanto, ao entender que a prática dos ásanas funciona como um tônico para a saúde, como um efeito colateral, e que sua principal função é preparar o corpo para meditar e desenvolver-se integralmente (corpo, mente e espírito), desviar-se desse propósito pode ser frustrante para qualquer pessoa, por mais privilegiada que seja, tanto física quanto mentalmente.


Nesse sentido, como vivemos em uma era onde a maior parte das pessoas não possue um bom ordenamento mental e saúde equilibrada, a prática dos ásanas acaba ocupando a maior parte do tempo em uma sessão regular de yoga para preencher essa falta. Afinal, é necessário restabelecer as funções do corpo que possam estar comprometidas por maus hábitos e vícios diversos, tanto na alimentação quanto no comportamento e na disciplina física para que sejamos, com efeito, pessoas integralmente mais fortes.


Mantenha o vigor, mas não produza dor. Vigor sempre, dor jamais!

Nesse aspecto, cada ásana pode funcionar como um veículo para estimular a concentração e a atenção plena no que se está fazendo. É como se fôssemos capazes de meditar em cada técnica corporal, usando as sensações e estímulos que elas produzem para capturar a atenção e direcioná-la a um estado de concentração linear (dhárana), que é a principal ferramenta para meditar com qualidade.


Aqui percebemos que a prática dos ásanas contribui mais para restabelecer o equilíbrio das funções psicoenergéticas do que para deixar o corpo sarado – para isto faça musculação. E, o mais importante, prepara nossa estrutura humana para as dimensões mais profundas e superiores da prática do yoga – que é o que realmente nos importa.


Numa prática regular de ásanas, podemos desenvolver, basicamente, três formatos de treinamento, dependendo da necessidade do grupo ou da pessoa em particular:

  1. Práticas energizantes: Visam aumentar a força muscular, a resistência corporal e a melhora da capacidade pulmonar. São técnicas que trabalham até a exaustão muscular e respiratória. Exploram exercícios poderosos de permanência, que exigem força concentrada na área de atuação da técnica e resistência muscular para suportar o máximo de tempo. Contudo, como costumo ensinar aos meus alunos: "Mantenha o vigor, mas não produza dor. Vigor sempre, dor jamais!" Este tipo de prática é ideal para pessoas introvertidas, tímidas e fisicamente fracas. Claro que a continuidade do treinamento tornará quem já é forte ainda mais forte. E lembre-se, o que acessamos no corpo físico como resultado do treinamento é, de certa forma, assimilado pelo mental e emocional. Isto é, um corpo forte tende a deixar a mente forte!

  2. Práticas relaxantes: Exploram técnicas, em sua maioria, realizadas no solo através de exercícios de alongamento (que atuam sempre na musculatura) e flexibilidade (que se concentram no aumento da amplitude articular). As permanências mais longas em posturas que sejam agradáveis ao corpo produzem sensações de relaxamento e conforto ainda maiores quando aliadas a um tipo de respiração coordenada, que explora um tempo maior na expiração e, como resultado primeiro, gerenciamos positivamente o estresse. Afinal, é na saída do ar que o corpo tende a relaxar, facilitando o alongamento e a flexibilidade. Trabalhamos também com mentalizações de cenários tranquilizantes e prazerosos para os sentidos, como, por exemplo, mentalizar uma névoa branca numa temperatura amena envolvendo os músculos atuantes no exercício – isso produz um tipo de reflexo neurológico e acolhimento favorável à descontração do corpo.

  3. Práticas equilibrantes: Ideais para desenvolver em uma sala de aula mista, com diferentes realidades estruturais, ou quando você, como professor, ainda não conhece os limites e dificuldades de seus alunos recém-chegados. Nesta prática, misturamos um pouco dos dois elementos anteriores, práticas energizantes e relaxantes. Promovemos uma espécie de rodízio por toda a estrutura física, acessando os principais grupos musculares e articulares do corpo, proporcionando, ao final, uma sensação de equilíbrio físico e mental. Haverá técnicas que serão mais difíceis para uns e mais fáceis para outros, cabendo, portanto, ao instrutor orientar variações que atuem nas mesmas áreas em que a técnica principal não pode ser realizada. O equilíbrio aqui é fundamental. Exploramos praticamente todas as possibilidades de mobilidade corporal de forma inteligentemente desencadeada para alinhar o corpo do praticante, que muitas vezes, pela rotina do dia a dia, chega ao estúdio com dores, incômodos e desalinhamentos diversos, tanto de ordem física quanto mental.


Assim, após a prática dos ásanas, o corpo pede por uma pausa merecida. A isto chamamos de yoganidrá, ou relaxamento profundo. Basicamente, nos deitamos em shavásana (postura anatômica deitada) e seguimos mentalmente a orientação do professor sem mover um único músculo. Primeiro, aclimatamos os sentidos; depois, navegamos mentalmente por todo o corpo, em paralelo com mentalizações para relaxar essas áreas, como se elas estivessem se desconectando do próprio corpo. Em seguida, passamos por um cenário mental de reordenação ou alinhamento de ideias e valores construtivos, de acordo com nossas crenças e necessidades mais latentes. Por fim, retornamos ao corpo físico com uma profunda sensação de bem-estar e descontração. Isso é maravilhoso, e se você nunca experimentou, precisa tentar!


Um corpo forte tende a deixar a mente forte!

O yoganidrá é uma técnica que antecede a meditação e geralmente ocorre após a prática dos ásanas. Ela não só ajuda o corpo a assimilar melhor os efeitos dos ásanas, mas também prepara a mente para a parte mais importante do sádhana (prática): a meditação. O relaxamento, portanto, funciona como uma ponte entre uma dimensão e outra. Saímos do aspecto físico desenvolvido nos ásanas e mergulhamos no universo interior da nossa mente.


Contudo, é importante entender que o yoganidrá não é meditação, pois não meditamos deitados. Quando nos deitamos, o corpo interpreta que queremos descansar e dormir, ativando naturalmente o sistema nervoso parassimpático, que age durante o sono. A posição do corpo em relação à força gravitacional da Terra faz toda a diferença entre estar desperto e relaxado ou adormecer. A palavra "yoganidrá" sugere exatamente esse segundo entendimento: o yoga do sono. Porém, não dormimos enquanto praticamos a técnica — se isso acontecer, é muito provável que estejamos extremamente cansados, e o corpo adormecerá na primeira oportunidade. O que ocorre, na verdade, é um tipo de mergulho que nos coloca entre os estados de vigília e sono, como se estivéssemos sobre uma ponte. Em uma margem está o mundo da vigília e da consciência, e na outra, o mundo do sono e do inconsciente.


Criada por Swami Satyananda há cerca de 100 anos, discípulo do mestre contemporâneo Sri Aurobindo, essa prática une os fundamentos da psicologia ocidental com a indiana, apresentados na literatura clássica. Para muitos, o yoganidrá pode parecer uma técnica de hipnose — e talvez seja, dependendo de como é conduzida pelo professor de yoga. Nesse sentido, o cuidado na condução do exercício, respeitando a individualidade do praticante e evitando qualquer tipo de doutrinação ou viés ideológico, deve ser, de fato, um imperativo moral para o professor que aplica essa técnica.


Por fim, e mais importante, estamos aptos física e mentalmente para meditar. É neste momento, depois de termos passado pelos angas (partes) anteriores da prática, que nossa estrutura psíquica responderá melhor aos estímulos das técnicas meditativas. Nesse sentido, diante das diferentes técnicas de meditação, a mais utilizada pelas escolas de yoga é a chamada meditação do preenchimento e/ou apropriação do espaço mítico (purna dhyana). Isso significa que trabalhamos com exercícios psicológicos que estimulam a imaginação para a construção de cenários mentais que, por sua vez, atuam na criação ou eliminação de determinadas características em nosso comportamento mental.


Em outras palavras, a meditação no yoga explora o poder imagético da nossa mente e, por meio da mentalização — a continuidade sistemática de um cenário já imaginado —, vamos criando novos hábitos (sanskáras) e, como resultado, gerando novos condicionamentos (vásanas). Isso nos auxilia e acelera o processo evolutivo até a meta do yoga, o samádhi, e, finalmente, nos impulsiona ao objetivo do yoga: kayvalian, o estado de libertação de estados inferiores de existência, de libertação das dimensões do sofrimento e da dor produzidos por Mayá — o arquétipo das ilusões.


Em suma, o yoga tem como meta o estado de vivificação, autoconhecimento e muita lucidez, o samádhi, para que, então, estejamos aptos a nos libertar das garras envolventes de Mayá, das ilusões que aprisionam nossa mente. A esse estado final, que é a libertação, chamamos de kayvalian ou moksha (ambas as palavras são sinônimos para o mesmo fim; a primeira tem um viés naturalista, e a segunda, espiritualista).


Yoga é a feliz adequação do corpo, da mente e do espírito.

Compreenda que, para meditar com qualidade, não é necessário se sentar em uma postura típica oriental, como o padmásana, por exemplo, a postura da flor de lótus. Essas posturas, que vemos nas redes sociais, em livros sobre meditação ou até mesmo em retiros de que participamos, são comuns aos orientais, que desde a infância se sentam assim para estudar, trabalhar, conversar, se alimentar, entre outras atividades. Não se prenda a isso, pois, para algumas pessoas com limitações estruturais, sentar-se nessas posturas pode ser uma tortura e até mesmo gerar lesões. Portanto, transcenda esse estereótipo oriental de que para meditar é preciso se sentar em lótus. Bobagem! Qualquer maneira para se sentar serve, desde que firme e confortável. Para meditar, é preciso, sim, uma postura mental adequada e profundamente compenetrada no exercício psicológico proposto, para que, então, o desdobramento natural da meditação ocorra em algum momento e, dependendo do tipo de técnica utilizada, a ascese espiritual aconteça.


Meditar nos eleva! Nos transcende a um nível expandido de consciência, onde as agruras da vida mundana perdem sua relevância. Meditar é rastrear a origem de nossas ideias e contemplar as maravilhas da alma (atman). É afinar grande parte do que está separado em nós, mas, antes, precisamos perceber onde e como essa separação ocorreu. Só assim a tradução mais precisa, em minha opinião, da palavra yoga se instalará em nosso coração — a feliz adequação do corpo, da mente e do espírito.

 

 

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Guest
Aug 21
Rated 5 out of 5 stars.

Excelente explicação professor! 🙏🏻

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Guest
Aug 21
Rated 5 out of 5 stars.

Excelente informação Prof. Obrigada!

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Aug 20
Rated 5 out of 5 stars.

Maravilhoso!

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Aug 20
Rated 5 out of 5 stars.

Perfeito! Perfeito! Obrigada professor. Como sempre muito profunda e esclarecedoras suas explicações.

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Guest
Aug 19
Rated 5 out of 5 stars.

Nossa! Nem imaginava que em uma aula de yoga ocorresse tudo isso! Obrigado, professor!

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