Os Fundamentos Filosóficos do Yoga na Abordagem Literária de Sankhyá
Quando nos deparamos com a ideia de adequação - adequação que é a tradução mais erudita da palavra Yoga, somos levados a pensar em algo que se ajusta a alguém ou a alguma outra coisa. Essa perspectiva inicial é crucial para entender o verdadeiro significado do Yoga como técnica, um conceito que se desdobra e permite diversas interpretações, algumas até mesmo antagônicas. A resposta para o que buscamos ganha profundidade quando exploramos a estrutura doutrinária intrinsecamente vinculada à escola filosófica Samkhyá (apresentada na primeira parte deste artigo – ver no site), uma tradição milenar que remonta à Índia antiga e se refere à enumeração ou ciência matemática.
O Samkhyá está entrelaçado de maneira indissociável com o Yoga desde suas origens. Essa filosofia aborda uma dualidade fundamental no universo, manifestada no Yoga e sujeita a contestações posteriores. Essa dualidade essencial se manifesta entre o Eu e o Outro (sujeito e objeto), apontando para a existência de uma natureza essencial, Púrucha, que reside no íntimo de cada ser humano. Todos nós seríamos uma multiplicidade de um Eu maior, Ishiwara, sendo cada indivíduo um Eu distinto, mas com uma profunda identificação com todos os outros.
O Yoga não existe sem o amor pela busca da verdade.
A distinção entre o indivíduo e o outro é o cerne do debate no Yoga, e essas bases orgânicas permeiam o hinduísmo, que prega a máxima de que todos somos Um. No entanto, a parte da população hindu dedicada ao Yoga aborda essa questão com maior cuidado, afirmando que o Eu é mais intrincado e vem ao mundo para se completar, buscando a prática da realização. Nesse contexto, cada um nasce para ser colocado em prática, para realizar sua verdadeira identidade – que se entende, a priori, como personalidade, ou Dharma (vocação anímica).
Embora todos possuam, em essência, o mesmo Eu universal, cada indivíduo tem uma identidade existencial única. A tradição yogi sustenta que nascemos com características ou potenciais específicos, projetados para serem desenvolvidos e colocados em prática no mundo. Essa característica existencial da presença do Eu no mundo é a consideração central do Yoga: realizar as potencialidades nas diferenças que somos, tornando-nos originais e únicos.
A realização desse estado de percepção, compreendendo o que já somos, permite mergulhar na totalidade da vida e experienciar a criação sem a forte interferência do ego ou ilusões que ocorrem sem treinamento intelectual específico. O resultado final é o kaivalyam, o isolamento ou libertação das ilusões, que representa o objetivo último do Yoga, conforme delineado pelos Yogasutras. Esse isolamento paradoxal ocorre quando expandimos nossa consciência para experienciar toda a criação, não restando mais nada, dentro de nossas limitações humanas, a ser percebido. Este é o ponto culminante da jornada, onde estamos isolados por integração, por afinação, transcendendo as fronteiras percebidas e descobrindo a identidade essencial que habita cada um de nós – a nossa alma, atmam.
Três elementos do Sankhyá: Satya refere-se à verdade e honestidade, Tamas é associado à inércia e escuridão, enquanto Rajas está ligado à atividade e paixão na filosofia do Yoga.
Quando nos aprofundamos na filosofia Sankhyá, a dualidade fundamental entre o Eu e o Outro, que permeia o universo, desdobra-se em uma exploração mais complexa dentro do contexto do Yoga que encerra o debate Sankhyá, em quatro capítulos, na obra Yogasutras. A essência dessa dualidade, com suas implicações profundas e intrincadas, é a base sobre a qual o Yoga se constrói. A interconexão entre o Samkhyá e o Yoga é intrínseca, e a compreensão dessa relação proporciona uma visão mais abrangente sobre o significado e os objetivos subjacentes à prática do Yoga que, ao contrário do que muitos leigos imaginam, não se limita à execução de ásanas (técnicas corporais).
Nesse sentido, cada indivíduo, em essência, compartilha o mesmo Eu universal, mas essa unidade é equilibrada pela singularidade de uma identidade existencial única em cada ser. A tradição yogi parte do ponto de vista que nascemos com características específicas, potenciais únicos arquitetados para serem desenvolvidos e expressos no mundo, o que chamamos de Dharma. Essa característica existencial da presença do Eu no mundo é fundamental para o Yoga, que propõe a realização das potencialidades nas diferenças individuais, celebrando a originalidade e singularidade de cada ser.
A realização desse estado de percepção, compreendendo o que já somos, possibilita mergulhar na totalidade da vida e experimentar a criação, Brahma, em sua forma mais autêntica. Esse mergulho ocorre, com treinamento adequado, sem a interferência desenfreada do ego ou ilusões - maya, permitindo que cada indivíduo descubra a identidade essencial que habita dentro de si, swadharma. O objetivo final do Yoga, como citei acima, é alcançar o kaivalyam, o isolamento ou libertação das ilusões. Esse isolamento paradoxal não é um afastamento do mundo, mas uma integração total, uma sintonia completa com a existência, transcendendo as fronteiras percebidas (pois essa é a promessa) e descobrindo a unidade intrínseca em meio à diversidade. O Yoga, assim, se revela como uma jornada para a realização da verdadeira identidade e um caminho eficaz em direção à compreensão das causas da dualidade e como harmoniza-las na vida.
Não há verdade sem a determinação que impulsiona nossa alma em sua busca.
Em conclusão, ao explorar a relação profunda entre o Yoga e a filosofia Sankhyá, percebemos que a dualidade fundamental entre o Eu e o Outro é a base sobre a qual essa prática milenar se constrói – na verdade, toda a vida. A interconexão entre o Samkhyá e o Yoga oferece uma estrutura conceitual sólida, que vai além da dualidade inicial e incompreensível e se estende para apreender a multiplicidade de um Eu maior que abrange todos os seres.
A filosofia hindu, que prega a máxima de que somos todos Um, se desdobra de maneira singular no contexto do Yoga. Os praticantes que amam a verdade e a busca pelo estudo entendem que cada Eu é intrincado e nasce no mundo para realizar seu Dharma, expressando a verdadeira identidade única de cada indivíduo, sua personalidade. Embora todos compartilhem o mesmo Eu universal, a singularidade de cada identidade existencial é celebrada, tornando-se a essência da prática yogi.
Nascemos com características específicas e potenciais únicos destinados a serem desenvolvidos e expressos no mundo, e isto está claro. O Yoga propõe,
Nessa visão, a realização dessas potencialidades nas diferenças individuais que nos tornam únicos no mundo, incentivando a celebração da originalidade e singularidade de cada ser. A busca pela verdadeira identidade, àquela que só pode ser acessada no âmago da nossa alma, ocorre ao compreender o que já somos, sim, o que já somos em essência, permitindo-nos mergulhar na totalidade da vida minimizando a interferência de uma visão egocêntrica do mundo..
Portanto, ao compreender o profundo enlace entre o Yoga e o Samkhyá, podemos vislumbrar não apenas uma prática física extremamente salutar, mas um caminho natural que nos conduz à descoberta de nossa verdadeira essência e à compreensão da unidade subjacente em meio à diversidade ao qual vivemos.
Sobre este texto:
As informações presentes e resumidas neste texto foram fundamentadas em anotações e pesquisas provenientes dos cursos ministrados pelos renomados professores: André De Rose e Carlos Eduardo Barbosa, assim como nos ensinamentos transmitidos por Sri Dharma Mitra. Adicionalmente, a base conceitual foi enriquecida por conhecimentos adquiridos nas instituições Kayvalyadhama Institute de Lonávala, Índia, e Dharma Yoga Center na cidade de Nova Iorque, nos Estados Unidos. Essas fontes de sabedoria contribuíram significativamente para a construção e aprofundamento das reflexões abordadas neste artigo. Espero, sinceramente, que tenha sido apreciado por você.
OM Dharma!
Muito bom!